quinta-feira, junho 29, 2006

Cantiga para não morrer
(Ferreira Gullar)
Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.
Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.
Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.

quarta-feira, junho 28, 2006

Cantares
(Antonio Machado)

Todo pasa y todo queda
pero lo nuestro es pasar
pasar haciendo caminos
caminos sobre la mar

Nunca perseguí la gloria
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles
ingrávidos y gentiles
como pompas de jabón

Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse

Nunca perseguí la gloria

Caminante, son tus huellas el camino y nada más
Caminante, no hay camino, se hace camino al andar

Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar

Caminante no hay camino sino estelas en la mar

Hace algún tiempo en ese lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos
se oyó la voz de un poeta gritar
"Caminante no hay camino, se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso

Murió el poeta lejos del hogar
Le cubre el polvo de un país vecino
Al alejarse le vieron llorar
"Caminante no hay camino, se hace camino al andar..."

Golpe a golpe, verso a verso

Cuando el jilguero no puede cantar
cuando el poeta es un peregrino
cuando de nada nos sirve rezar
"Caminante no hay camino, se hace camino al andar..."
A Hora Íntima
(Vinícius de Morais)

Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?

Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
Quem, em meio ao funeral
Dirá de mim: – Nunca fez mal...

Quem, bêbedo, chorará em voz alta
De não me ter trazido nada?
Quem virá despetalar pétalas
No meu túmulo de poeta?

Quem jogará timidamente
Na terra um grão de semente?
Quem elevará o olhar covarde
Até a estrela da tarde?

Quem me dirá palavras mágicas
Capazes de empalidecer o mármore?
Quem, oculta em véus escuros
Se crucificará nos muros?

Quem, macerada de desgosto
Sorrirá: – Rei morto, rei posto...
Quantas, debruçadas sobre o báratro
Sentirão as dores do parto?

Qual a que, branca de receio
Tocará o botão do seio?
Quem, louca, se jogará de bruços
A soluçar tantos soluços
Que há de despertar receios?

Quantos, os maxilares contraídos
O sangue a pulsar nas cicatrizes
Dirão: – Foi um doido amigo...

Quem, criança, olhando a terra
Ao ver movimentar-se um verme
Observará um ar de critério?
Quem, em circunstância oficial
Há de propor meu pedestal?

Quais os que, vindos da montanha
Terão circunspecção tamanha
Que eu hei de rir branco de cal?

Qual a que, o rosto sulcado de vento
Lançará um punhado de sal
Na minha cova de cimento?

Quem cantará canções de amigo
No dia do meu funeral?
Qual a que não estará presente
Por motivo circunstancial?

Quem cravará no seio duro
Uma lâmina enferrujada?
Quem, em seu verbo inconsútil
Há de orar: – Deus o tenha em sua guarda.

Qual o amigo que a sós consigo
Pensará: – Não há de ser nada...

Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?

Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada?
Quem vai pagar o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?